Nos Meus Braços
Com participação de 30 músicos do Brasil e Exterior, CD de “música instrumental infantil para adultos” é o oitavo disco solo do pianista – e uma grata surpresa
A chegada de um filho muitas vezes é fonte de inspiração significativa para artistas de diferentes épocas conceber, em paralelo, uma obra artística – mas a confirmação de gravidez após 14 anos de sonhos e tentativas seguramente não poderia caber em um só tema só. A percepção, do pianista e compositor Fernando Moura, se traduz de forma exemplar em Nos Meus Braços, seu oitavo CD solo, em lançamento neste final de ano: nele, a espera é desdobrada em 30 canções que refletem cada qual aspectos da história de Fernando e de sua esposa Maja, que após quase uma década e meia receberam a boa notícia da aguardada gestação.
Seguindo a prática da composição diária, inerente à sua especialidade em trilhas sonoras, Fernando apresenta no novo álbum uma seleção feita a partir de mais de 80 ideias alinhavadas durante os três primeiros meses de gestação de Maria Fernanda, que nasceu em outubro. O disco é uma celebração à poesia do nascimento e da infância, diz o músico, o definindo como coleção de músicas instrumentais infantis para adultos – embora algumas das canções tenham também voz.
“Quando se fala em música instrumental uma das primeiras ideias que surgem é de virtuosismo e outras coisas mirabolantes – mas nesse trabalho preferi trocar os solos elaborados pela delicadeza, pelo riso e pelo brinquedo”, conta ele.
As faixas, curtas, se sucedem como episódios, crônicas com instrumentações diversas: algumas são solos de piano, quase haicais evocando a infância e a reverenciando sem foclorizá-la. A inspiração é o olhar da criança, a paternidade e maternidade, mas a música e a forma de realizá-la estão além, acima e em torno deste olhar. Marimbas, harpas e sons de brinquedos se combinam a saxofones, flautas, violinos, guitarras, muita percussão e teclados. O CD abre com A Baby Beat, diálogo emocionado do piano acústico de Fernando com sons que buscam a infância sustentados pelo groove dos batimentos cardíacos gravados no ultrassom que confirmou a chegada ao mundo de sua filha, então com pouco mais de dois meses de gestação.
A partir da confirmação, as canções selecionadas passaram a ser trabalhadas e para cada uma delas foram convocados músicos de importância especial na trajetória musical de Moura. Assim, Nos Meus Braços ganhou elenco luxuoso de 30 músicos, do Brasil e de outros países, que nem sempre precisaram estar juntos – uma cortesia das trocas de arquivos via web administradas a partir do estúdio TudoPiano, de Moura, no Rio de Janeiro.
Na faixa Viva a Natureza, por exemplo, a voz de Claudia Oshiro sai de Okinawa para dialogar com o duduk do especialista em sopros Zé Nogueira, enquanto Pássaros na Montanha tem o fluegelhorn do cubano Luis Valle em encontro com a percussão afro de Carlos Negreiros. Na mesma direção, a guitarra “nova baiana” de Davi Moraes brinca e dialoga com o MiniMoog de Fernando e com o swing de elefantes e sapos sampleados para Animais em Festa. O diálogo criativo leva a resultados surpreendentes em canções como Vai Chegar, parceria de Fernando com o poeta Abel Silva: nela, o inesperado ocorre no encaixe perfeito entre o cavaquinho de Henrique Cazes e o violoncelo de Alceu Reis mediados pelo piano acústico de Fernando. “É uma melodia quase beatle”, diz Fernando Moura, que sabe do que fala – ele teve há alguns anos uma marcante colaboração com George Martin, o produtor que vários fãs consideram uma espécie de “quinto Beatle”.
A festa continua com as contribuições da percussão de Ary Dias (A Cor do Som), Marcos Suzano e Jovi Joviniano, os sopros de Carlos Malta, Mauro Senise, Humberto Araújo e Andrea Ernest Dias, as cordas "populares" de Luiz Waack, Sergio Chiavazolli e João Castilho e as "eruditas" de Bernardo Bessler e Ronaldo Diamante, entre outros vários músicos de igual talento.
Ainda sobra espaço para o brilho de Primeira Saudade, interpretada em japonês pelo parceiro de Fernando em Tóquio Miyazawa Kazufumi, e Acalanto, com letra de Fred Góes, cantada por suas netas gêmeas Lara e Júlia, de cinco anos. “Elas fazem as honras da tradição que diz que criança adora ouvir criança”, diz Fernando. “E não importa a idade, claro.”